Na região central da Bahia, até um lobisomem consegue ser agradável
Aninha e Sebastião moravam num lugarejo afastado de tudo. Tiveram sete filhas e nenhum menino. Frustrada, a mulher foi à casa de uma adivinha para buscar ajuda. A velha alertou que o garoto viria, mas, aos 13 anos, teria de cumprir o destino de todo rapaz que nasce depois de sete moças.
Você deve estar pensando “eu já ouvi uma história parecida”. Sim, o Lobisomem é realmente uma das lendas mais difundidas em todo o mundo.
Mas o enredo que você leu no primeiro parágrafo deste texto tem desenvolvimento e desfecho bem diferentes da maioria dos causos, filmes e histórias sobre a temida entidade das noites de lua cheia.

Aninha, Sebastião e seu clã são personagens criados por Herberto Sales, escritor aqui da Chapada. Nascido em Andaraí, o autor chegou a ser membro da Academia Brasileira de Letras e retratou vastamente a nossa terra mágica em seus livros. A região toma as páginas de sua obra por meio de tramas sobre nossos diamantes, nossas árvores – e também nosso Lobisomem.
Por coincidência, na infância, antes mesmo de saber quem era Herberto, o que era a Chapada e qual rumo tomaria a minha vida, eu encontrei no colégio um livro marcante sobre Lobisomem.
Pelos anos afora, a narrativa, volta e meia, me vinha à cabeça e me despertava saudade.
Recentemente, já adulto e morando na Chapada, resolvi reler aquela história para descobrir o que havia de tão singular em suas linhas. E, para minha surpresa, a trama era de Herberto Sales.

Mas, afinal, o que existe de tão impressionante na fera criada pelo escritor de Andaraí?
O amor, a humanidade e a sutileza com que o tema é tratado são os ingredientes que mais me chamaram a atenção.
Aninha sabe que o filho terá uma sina assustadora, mas guarda isso em segredo. Não conta nem para o marido.
Na noite em que o menino celebra o décimo-terceiro aniversário, ela sai sorrateiramente à procura do filho, mas não o encontra no quarto. Ao retornar e ver a mãe à sua espera, ele diz que foi ao quintal porque estava com dor de barriga.
Ressabiada e ciente do que está acontecendo, Aninha se prepara para a próxima sexta-feira. Pega um graveto, afia-lhe a ponta e fica escondida. Quando anoitece, o garoto pula a janela, deita-se no espojadouro de animais e se transforma. Corajosa, a mãe chama pelo filho, se aproxima e, por fim, lhe causa o ferimento capaz de quebrar o encanto.
Então eles se abraçam. E ninguém mais fica sabendo o que aconteceu.
O Lobisomem representado pela perspectiva regional de Herberto Sales não é um vilão, não é um monstro, não é uma criatura temida. É, como o próprio texto define, apenas “um homem-bicho”.
Para Herberto, o Lobisomem não é acompanhado pelos olhos de caçadores ou de uma comunidade em polvorosa para destruir a criatura amaldiçoada. Em suas páginas, também não há rastros de sangue nem assassinatos em série.
O que existe é uma mãe e um filho vivendo as mudanças da puberdade e os desafios de crescer. A situação macabra cede espaço para um momento de cumplicidade.
Novamente, a Chapada me encontrou antes mesmo de eu conhecê-la. Me encantei com suas histórias sem nem saber de onde vinham. E até seus seres mais medonhos conseguiram me envolver e me encher de aconchego.
A verdade é que a Chapada – com seus autores, suas paisagens, seus produtos e até suas assombrações – sempre me atraíram.
E cá estou, mais uma vez, falando com você sobre o que vivi por aqui.
Por favor, não se canse de mim. De destino não se foge. É por isso que, assim como o Lobisomem, seguirei cumprindo a minha sina.
Só que meu encanto está longe de terminar…