Veja como as associações nacionais e internacionais avaliam cada tipo
Por que há marcas de cafés especiais que são chamadas de café gourmet? O que diferencia um café gourmet de um especial? Eles são iguais? Se você já tem alguma experiência no mundo do café, certamente já se fez uma dessas perguntas. Eu também já me fiz. E mergulhei em livros sobre o assunto para encontrar respostas. Agora vou compartilhá-las com você. Acomode-se na cadeira, pegue sua xícara e se prepare. A investigação polêmica vai começar.

ABIC, BSCA e SCA: quem decide a qualidade do café?
Antes de traçar os paralelos entre o café gourmet e o café especial, é preciso conhecer pelo menos três instituições que cuidam do assunto. Fanáticos pela bebida ouvem falar delas com bastante frequência: a Associação Brasileira da Indústria do Café (ABIC), a Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA) e a Associação de Cafés Especiais. Esta última está sediada nos Estados Unidos e é mais conhecida pela sua sigla em inglês, SCA.
A ABIC foi fundada em 1973, conta com centenas de associados e representa as empresas de torrefação e moagem de café no Brasil. Ela é criadora de iniciativas como o Selo de Pureza, o Programa de Qualidade do Café e o Círculo de Qualidade do Café.
Já a SCA é uma recente criação norte-americana. Inaugurada em 2017, a associação é uma fusão de duas entidades mais antigas: a Associação de Cafés Especiais da América (de 1982) e a Associação de Cafés Especiais da Europa (de 1998).
A BSCA, por sua vez, foi criada em 1991, para reunir pessoas físicas e jurídicas do mercado cafeeiro, difundir pesquisas na área e elevar os padrões da produção de cafés nacionais. Em seu site oficial, a organização de define como a primeira instituição a certificar lotes e afirma que é “reconhecida internacionalmente como a vanguarda da produção de cafés finos no Brasil”. Embora tenha nome parecido com a SCA, a BSCA é uma iniciativa autônoma. Em 2025, porém, ambas firmaram acordo para que o Brasil, assim como os Estados Unidos e outros países, também adotasse o sistema de Avaliação do Valor do Café (CVA) como protocolo oficial de avaliação dos cafés especiais do país.

Mas… e daí?
Depois dessa chuva de datas, siglas e histórias, você deve estar se perguntando: “Tá, mas eu ainda não descobri a diferença entre gourmet e especial. Você tá me enrolando?”. Fique calmo. Eu fiz essa digressão porque você precisa entender que três instituições sérias, independentes e conhecedoras do assunto usam classificações diferentes para atestar o que é um café gourmet ou especial.
Como vimos, a ABIC, lá na década de 70, criou o Selo de Pureza. O intuito era certificar que torrefadores e empacotadoras não adulterassem os grãos depois de moídos. Em 2004, a associação também criou o Programa de Qualidade do Café. Nesse momento, nasceram quatro categorias de classificação com suas respectivas caracteríticas: extra-forte, tradicional, superior e gourmet.
Como a ABIC classifica o café: do extra-forte ao gourmet
O que é café extra-forte?
O café chamado de extra-forte pela ABIC é o grão quase carbonizado. A torra escura serve para esconder imperfeições e sabores incômodos, que uma torra mais clara deixaria evidente. Por ser mais amargo que os demais, esse tipo de bebida exige consequentemente mais adição de açúcar. Além disso, a queima do café lhe retira propriedades benéficas para a saúde: antioxidantes, óleos essenciais e ácido clorogênico.
O que é café tradicional?
Tradicional é o nome da outra categoria criada pela ABIC. Nela são reunidos os cafés com quantidade muito alta de defeitos. Por isso, eles jamais são vendidos em grãos. É comum também nesse caso misturar espécies diferentes numa mesma embalagem, como arábica e robusta. Como o extra-forte, o café tradicional é escuro, resultado da torra intensa.
O que é café superior?
A ABIC chama de superior o café que recebeu um tratamento melhor que o tradicional ou o extra-forte. Tem amargor moderado e apresenta sabor amendoado ou achocolatado. Mesmo assim, continua tendo muitos defeitos. A oferta desse café é rara para o consumidor final. Normalmente, depois de receber um pouco mais de limpeza e uma torra mais cuidadosa, ele consegue migrar para outra denominação: gourmet.
O que é café gourmet?
Gourmet é a última e mais alta classificação da ABIC. Digna do selo, é considerada uma bebida de baixo amargor e doçura moderada a alta. Ela preserva ainda sabores florais e frutados. “Gourmet” é sinônimo de “premium” e “café de qualidade”. Em sua composição, devem ter exclusivamente grãos da espécie arábica, que precisam estar livres de defeitos (como frutos pretos, verdes e ardidos). A ABIC usa uma escala de avaliação que vai de 0 a 10. Para ser considerado gourmet, o café precisa receber nota superior a 7,3.
E é aí que começa a polêmica, pois os critérios da ABIC não são tão específicos quanto os das demais instituições, como a SCA. Além disso, as outras entidades usam escalas avaliativas que vão de 0 a 100, e não apenas de 0 a 10.
O que é café especial segundo a SCA e a BSCA
Você reparou que a ABIC não usa a classificação “café especial”? Pois é. Essa também é outra celeuma na hora de identificá-lo. Quem usa especificamente o termo são a SCA e a BSCA.
A procura por cafés mais finos existe desde que o produto se popularizou na Europa do século 17. A expressão “café especial”, contudo, só vai aparecer em 1974 numa revista chamada “Tea and Coffee Trade Journal”, um periódico britânico sobre o mercado de chás e outras bebidas.
Erna Knusten, a norueguesa que criou o termo, o utilizou para se referir a cafés de sabores mais agradáveis, produzidos em lotes menores e com terroir específico. A proposição da empresária do mercado cafeeiro confrontou a indústria e exigiu que critérios fossem estabelecidos para diferenciar o café especial dos demais. E assim surgiu a SCAA, que criou um comitê técnico e um sistema de avaliação que poderia ser usado no mundo inteiro. A instituição elaborou um protocolo com itens muito objetivos para identificar a categoria dos grãos. Logo depois, nasceu a SCAE, na Europa, que passou a usar os mesmos critérios da SCAA. Como vimos, ambas se fundiram em 2017 e viraram a SCA.
Os atributos avaliados por um Q-Grader
Desde então, para ser considerado café especial, o produto precisa ser avaliado por um técnico chamado Q-Grader e receber o selo emitido pela SCA. Os critérios hoje utilizados no Brasil e no exterior são:
- Fragrância: o cheiro do café seco imediatamente após a moagem do grão;
- Aroma: o cheiro do café depois de molhado;
- Acidez: deve ser prazerosa e harmônica no conjunto da degustação;
- Sabor: são as notas sentidas pelo paladar e que complementam o aroma;
- Retrogosto: é a sensação que fica na boca e no olfato depois de tomar a bebida;
- Doçura: o café é naturalmente doce, mas também carrega amargor. Esse amargor, porém, deve ser agradável como o do cacau, por exemplo.
- Sensação na boca: antes chamado de “corpo”, esse critério corresponde ao peso e à textura da bebida (leve, aveludada, amanteigada, áspera, metálica);
- Gostos principais: salgado, azedo, doce, amargo;
- Nível de torra: referência contextual (clara, média, escura);
- Notas descritivas: florais, frutadas, torradas, especiarias etc.
Cada um desses atributos recebe entre 0 e 10 pontos. A soma total deve ser igual ou superior a 80 pontos para que o café seja considerado especial. Vale lembrar também que, se o café receber nota 6 em qualquer um dos critérios, mesmo que ele tenha boa pontuação nos demais, não poderá ser considerado café especial.
Café gourmet pode ser chamado de café especial?
Segundo o barista Brás Oscar, se fizéssemos um esforço para comparar as escalas, um café gourmet que receba nota 7,3/10 na ABIC corresponderia a 73/100 na SCA. Ou seja: não seria especial, já que não atinge a nota mínima de 80.
A conclusão dos estudiosos é que café gourmet é um produto de ótima qualidade capaz de proporcionar excelentes experiências sensoriais. Esse conceito, entretanto, é mais abrangente e menos rigoroso. Por isso, pode englobar grãos que seriam considerados especiais, mas também outros que não alcançam esse patamar.
Qual escolher: gourmet ou especial?
Se você busca a definição mais técnica e reconhecida internacionalmente de “café especial”, escolha marcas com selo da SCA ou da BSCA.
Seja como for, a minha opinião é bem mais simples e sem obstáculos: para mim, se o café veio da Chapada Diamantina, basta. Pode ser gourmet, premium ou especial. Eu tomo, eu aprovo e eu ainda proponho um brinde!
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Referências
BASTOS, Giuliana. Dicionário gastronômico café com suas receitas. São Paulo: Boccato, 2008. ISBN 978-85-7555-188-2.
BORSATTO, Carlos Cesar; BORSATTO, Tatiana Ferraz. O mínimo que você precisa saber sobre café e mais um pouco: um guia para apreciadores e iniciantes. 2. ed. Campinas: Gráfica Editora do Conhecimento, 2020.
BSCA – Brazilian Specialty Coffee Association. A BSCA. Disponível em: https://www.bsca.com.br/page/a-bsca. Acesso em: 29 set. 2025.
BSCA – Brazilian Specialty Coffee Association. Coffee Value Assessment (CVA). Disponível em: https://www.bsca.com.br/page/cva. Acesso em: 29 set. 2025.
BSCA – Brazilian Specialty Coffee Association. Parceria BSCA, SCA e CVA promove cafés especiais do Brasil. Disponível em: https://www.bsca.com.br/news/parceria-bsca-sca-cva-cafes-especiais-brasil. Acesso em: 29 set. 2025.
MARTINS, Ana Luiza. História do café. São Paulo: Contexto, 2008. ISBN 978-85-7244-377-7.
OSCAR, Brás. O mínimo sobre café. Campinas: O Mínimo, 2014. ISBN 978-65-80333-33-6.
SPECIALTY COFFEE ASSOCIATION (SCA). Coffee Value Assessment. Disponível em: https://sca.coffee/value-assessment. Acesso em: 29 set. 2025.